terça-feira, 12 de fevereiro de 2019

"O MAIS IMPORTANTE É ESCOLHERMOS AS NOSSAS PRIORIDADES"

Presidente do Governo Regional, José Cardoso Cassandra, fala sobre os desafios do seu 4º mandato à frente dos destinos da ilha do Príncipe e aponta as conquistas do último mandato. Fala ainda da falta da articulação entre o Governo Central e o Regional, e como é que isso afecta o processo de desenvolvimento da região. 

Sociedade Civil STP: Termina o terceiro mandato e automaticamente o povo da ilha do Príncipe renova a confiança em si e na UMPP. A que se deve essa confiança do povo em Tozé e na UMPP? 

José Cardoso Cassandra: Isto tem a ver com o trabalho que vamos fazendo e do reconhecimento desse mesmo trabalho pelo povo. Porque quando nós trabalhamos com amor, fazer as coisas com paixão e dedicação, mesmo sem grandes recursos, conseguimos transmitir uma ideia para quem pode, a partir daí, ter a sua opinião e fazer a sua avaliação. Eu penso que isso tudo tem a ver com a maneira como nós lidamos com as pessoas aqui no Príncipe. A maneira, sobretudo, frontal, honesta, transparente e verdadeira como nós tratamos as pessoas. Nós tivemos vários projectos em carteira, no quadro do Programa do Governo Regional e do Orçamento. Mas, muitas dessas acções não foram realizadas. Mas as pessoas sabem porquê que não foram realizadas. Nós explicamos as pessoas a razão. Nós vamos, frontalmente, olhos nos olhos, e explicamos a razão pela qual não se realizaram. E as pessoas entendem. A primeira coisa que nós fazemos é dar satisfação às pessoas e informa-las. E se nós fazemos isso, fazemo-lo por respeito à pessoas. No fundo, estamos aqui para servir as pessoas. É nossa obrigação informar e esclarecer. Nós somos apenas representantes delas, dos eleitores e do povo, para poder gerir esse bem de todos nós. 

SCSTP: Qual é o balanço que faz da sua última governação? 

JCC: Nós fazemos um balanço positivo. Pessoalmente, entendo que tivemos quatro anos de alguma inércia. Por falta de verba, não nos foi possível realizar o programa que tínhamos projectado para esses quatro anos. Nós pomos a fasquia muito alta e várias acções programadas não foram realizadas. Entendemos que foram quatro anos satisfatórios, apesar de termos concluído várias acções úteis para a população, muito ficou por fazer. Muitos perguntam: como é que em quatro anos não concluímos a obra da extensão do nosso hospital? Isso é grave. Tivemos problema com a retirada da China-Taiwan que financiava a obra e não houve continuidade do financiamento. Uma obra tão importante como essa devia merecer outra atenção do Estado. O Estado devia ajudar o Governo Regional a terminar essa obra. É um dos vários exemplos que temos. Estamos num país com diversas dificuldades. Eu costumo dizer que o mais importante é escolhermos as prioridades. Não podemos fazer tudo de uma vez porque não temos recursos, mas podemos identificar as nossas grandes prioridades e ir fazendo. É aí que o Estado não está a fazer o seu melhor. O Estado aqui inclui o Governo Central e o Governo Regional. Quando o Orçamento Geral de Estado é feito, o Governo Regional nem se quer é contactado nem consultado. Isso é mau porque o Príncipe é parte deste país. Nós devíamos ser consultados no sentido de conhecerem a nossa prioridade. Também acreditamos que estamos num processo. O estatuto da autonomia que temos já não tem volta, agora é irmos para a frente. Vamos construindo a nossa autonomia e o nosso desenvolvimento. 

SCSTP: Há alguma previsão para a conclusão do hospital? 

JCC: Neste momento, temos um acordo com a China Popular para conclusão de uma fase: a parte da infra-estrutura. Mas a fase mais complicada que é o apetrechamento não está garantida por esse parceiro. Temos que encontrar outra maneira de financiar isso. 

SCSTP: Podia apontar os ganhos da última governação? 

JCC: Podemos destacar a rede de estrada do centro da cidade de Santo António e vias asfaltadas para Porto Real, Aeroporto, Santo Cristo e Picão. Temos um grande projecto em curso que vai terminar brevemente que é a conduta de abastecimento de água para a zona norte da ilha. Água potável é um bem que queremos levar para toda a ilha de Príncipe. Esta é a nossa grande prioridade. Um outro grande feito é que conseguimos levar energia para quase toda a ilha. Só falta a localidade de Praia Campanha. Outro feito é o projecto que envolveu o Governo Central de acordo com a nossa solicitação. Estou a falar do pavilhão gimnodesportivo. Foi no mandato passado que conseguimos concluir a estrada que liga Picão à Corrente, iniciamos a estrada de Bela Vista e Abade. Portanto, várias acções concluídas. Construímos jardins-de-infância nas zonas de Tchada e Gaspar. Orgulha-me ver que as crianças dessas localidades não tenham necessidade de andar até ao Aeroporto para ter acesso a jardim-de-infância. Temos uma escola na Praia Burra construída nesse mesmo mandato. Sem falar de outras acções que têm a ver com a preservação ambiental. Tudo isso foi graças a esse diálogo permanente que temos com a população que vai compreendendo que o governo sozinho não vai conseguir fazer tudo e nem é possível fazer tudo ao mesmo tempo.

SCSTP: Quais são as grandes linhas desta governação que agora começa?

TCC: Nós temos um mandato de quatro anos pela frente. Para este mandato elegemos 10 eixos principais que se subdividem em 5 eixos cada. O primeiro é educação e formação. O nosso compromisso com a formação e educação de todos os principenses é mais alta prioridade. E disso não vamos abrir a mão. Entendemos que só com a educação e formação estaremos no futuro mais preparados para os grandes desafios. O que pretendemos é que as crianças de Príncipe sejam bem preparadas. Que consigam atingir o 12º ano e estudos universitários. No domínio da educação, o grande desafio é introduzirmos o inglês como disciplina extracurricular, a título experimental, no ensino básico, a partir do próximo ano lectivo. Se nós dizemos que o turismo é um dos principais pilares para o desenvolvimento, temos que ter pessoas que falem inglês. 

A segunda prioridade é a infra-estruturação com grande pendor para duas questões: porto e energia renováveis. Nós estamos encravados. Muitas das coisas por que passamos é porque não temos um bom porto. Nós hoje pagamos muito mais caro os produtos aqui no Príncipe porque temos barcos específicos que podem para aqui. Todos os barcos não podem encostar aqui na nossa ponte. Então temos que ter um porto capaz de receber todos os barcos. A concorrência entre eles aumenta e o preço baixa. E tornar os custos das mercadorias aqui mais barato. Precisamos também de ter nesse porto uma parte para armazenar combustível. A maneira como recebemos combustível não é correcta. Por isso é que temos esses constrangimentos todos. O combustível só vem quando há barco. Energia renovável porque hoje a energia é muito cara. Precisamos ter energia limpa baseada na água e sol. Um terceiro elemento é o ambiente e a conservação da natureza. A força da nossa ilha está na conservação da nossa biodiversidade e do nosso ecossistema. Todos os principenses são chamados a proteger. Se nós não protegermos isso e não garantirmos a sua conservação, vamos estar muito mal. Só dizer que Príncipe é verde não basta. Temos que conservar. Temos que garantir essa conservação para garantir a nossa subsistência e outros benefícios. Também teremos de apostar no turismo, agricultura e pesca como sectores capazes de alavancar a nossa economia. Se nós não apostarmos na saúde, não teremos desenvolvimento. A saúde é outro pilar importante. Nós temos uma visão clara de como e onde queremos ir.

SCSTP: Como é que vê o desenvolvimento da agricultura? Que estratégias tem o seu Governo para a melhoria da produção agrícola?

TCC: É um sector importante. A nossa visão é tornar a agricultura um sector empresarial. E também para a pesca. Da mesma forma que temos empresários no turismo, queremos também na agricultura. Temos que ter empresários na agricultura. Não podemos ficar apenas nessa agricultura familiar. Precisamos ser ousados. Não pode ser essa prática de agricultura que tivemos no passado, onde as pessoas pedem apoio ao governo, não faz nada e diz que dinheiro acabou. Não pode ser assim. Quem se mete na agricultura deve ser como quem se mete no turismo. Hão-de dizer que a agricultura levar mais tempo para colher. Claro. Em qualquer outro sector, tudo leva seu tempo. É preciso é vários tipos de culturas. Também denunciar as pessoas que furtam nas parcelas. 

A produção agrícola baixou consideravelmente aqui na ilha. Muitas pessoas deixaram as parcelas de roça e foram empregar-se no turismo. As pessoas pensam que ter um emprego fixo é melhor que ter o seu próprio negócio. Não é verdade. Vamos começar a produzir chocolate aqui. Quem produz cacau sabe que poderá vender mesmo aqui e ter um rendimento imediato. Porquê que os hotéis aqui têm que mandar vir frutas e hortaliças de São Tomé? Precisamos começar a produzir essas coisas. A aposta nas especiarias é também importante. Estou a falar de pimenta e baunilha. Precisamos reflectir sobre como fazer agricultura. Há pessoas que estão a ganhar dinheiro com agricultura. Mas precisamos alargar isso mais ainda.


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