quarta-feira, 17 de maio de 2017

“UM DOS NOSSOS SONHOS É QUE A GESTÃO DOS RECURSOS PÚBLICOS E A QUALIDADE DO DESENVOLVIMENTO POSSAM MELHORAR ” .

Eduardo Elba, Secretário Permanente da FONG-STP e Coordenador local do projecto Sociedade Civil pelo Desenvolvimento, fala das grandes marcas deixadas na primeira fase e dos trabalhos para esta se­gunda fase. Aborda ainda questões como transparência e prestação de contas nos últimos anos em São Tomé e Príncipe, e dos grandes desafios da sociedade civil organizada.

Sociedade Civil STP: Já arrancou a segunda fase do projecto sociedade civil. Quais são as principais marcas deixadas na primeira fase do projecto?

Eduardo Elba: O projecto sociedade civil pelo desenvolvimento teve uma primeira fase que durou três anos, entre 2013 e 2016, com o financiamento da União Europeia e da Cooperação Portuguesa. Em Fevereiro deste ano começou a segunda. Em traços gerais, falando das grandes metas alcançadas pela primeira fase, o projecto quando começou em 2013, foi pela primeira que a FONG e suas associadas estiveram envolvidas num projecto dessa natureza. Um projecto de incidência política que visava monitoria e advocacia de políticas públicas, através do reforço de capacidades da sociedade civil. Na altura, nós não tínhamos nenhuma valência nessa abordagem, não havia nenhuma organização da sociedade civil santomense que tinha tido intervenção antes nesta temática. Foi a partir de 2013 que começamos este processo. E em 2016, o projecto terminou a sua primeira fase e uma das grandes marcas que deixou foi a Rádio Comunitária de Porto Alegre. Na altura, constatamos que Porto Alegre tinha grandes dificuldades no acesso à informação. A Rádio Nacional não chegava e quando chegava não era com qualidade desejada. A televisão também. Havia um isolamento total dessas comunidades mais ao sul do país: Porto Alegre, Malanza e Ponta Baleia. Com o projecto conseguimos levar uma rádio comunitária para essas comunidades que permitiu quebrar esse isolamento e facilitar a participação das pessoas no desenvolvimento local.

Outro aspecto a sublinhar foi a produção de um manancial de material de informação e conhecimento. Nós produzimos muitos materiais como boletins, brochuras, estudos, folhetos, cartazes, vídeos, programas radiofónicos e que hoje estão disponíveis no nosso blogue. Basta qualquer cidadão acessar ao nosso blogue que vai ver lá tudo isso. Outro aspecto importante tem a ver com acções de capacitação que realizamos nesse período. Organizamos 33 acções de capacitação para as ONG e para os técnicos da própria FONG, com recurso aos formadores nacionais e estrangeiros. Foram seminários, formações e em formato de intercâmbios. Tivemos a oportunidade de visitar três países de língua portuguesa para perceber com as organizações desses países que tinham mais experiencia que nos nessa área, como é que elas trabalhavam e a partir daí beber da experiencia e adaptar ao nosso contexto local. Passamos por Angola, Moçambique e Brasil. 

Um outro aspecto ainda digno de realce, foi a criação de uma rede temática que está baseada na FONG. Estou a falar da Rede da Sociedade para a Boa Governação que executou algumas actividades do projecto. É um aspecto inovador porque não tínhamos ainda experiência de trabalho em rede, mas conseguimos, com capacitação, criar a rede e começar a trabalhar. É preciso dizer que a rede realizou dois grandes trabalhos de exercício de rastreio ao OGE. Depois da rede formada e capacitada, ela conseguiu produzir duas brochuras sobre a monitoria do OGE. Pela primeira vez, as organizações da sociedade civil santomense pegaram no orçamento e tentaram perceber aquilo que o Governo de então planificou, aquilo que fez e como é que fez. Um primeiro exercício de rastreio orçamental na componente infra-estruturas do OGE 2014 e um segundo exercício também de rastreio orçamental na componente água e saneamento para tentar perceber como é que evoluiu o investimento neste sector entre 2010 e 2015. O pressuposto disto tinha a ver com a falta que se fazia e faz sentir nas torneiras, quando na verdade o país não tem falta de água. O país não tem carência de água, mas os investimentos feitos não permitiram que a água corresse de regularmente nas torneiras. Foram esses exercícios que fizemos e publicamos. E para os próximos anos, estaremos numa perspectiva de continuidade. 

SCSTP: Em traços gerais, em que consiste a segunda fase do projecto?

EE: A segunda fase não diferencia muito da primeira, sendo que nesta fase é mais numa perspectiva de aprofundamento e consolidação. A primeira fase compreendeu três componentes essenciais: comunicação, capacitação e advocacia. Com as bases adquiridas da capacitação, vamos agora poder continuar a fazer com melhor qualidade os nossos trabalhos de advocacia. Vamos continuar a desenvolver programas de rádio, boletins, exercícios de advocacia e monitoria das políticas públicas. Vamos continuar a fazer seminários para sensibilizar os líderes comunitários e jornalistas, e influenciar os nossos decisores sobre aquilo que é a necessidade de participação das pessoas no processo de desenvolvimento do país e do acesso à informação. Vamos continuar a produzir vídeos sobre diferentes temas e elaborar brochuras e estudos temáticos sobre rastreio. Há um elemento novo nessa segunda fase que é bolsas de criação jornalística. O que se pretende aqui é estimular e criar oportunidade de investigação em matérias de boa governação e gestão de recursos naturais. 

SCSTP: É possível falar em transparência e prestação de contas em STP nos últimos anos?

EE: É possível. Vamos tomar como referência o ano 2010 até hoje, 2017. Em termos daquilo que é disponibilização de informação sobre a gestão dos recursos públicos, hoje, há mais informação disponível. Quem consultar o sítio online do Ministério das Finanças, ele terá acesso à informação que outrora não teria. Claro que essas informações não satisfazem. Ainda se depara com um défice de transparência e prestação de contas. É preciso que os gestores públicos percebam a dinâmica social de que estamos num estado de direito democrático onde os eleitos são delegados em nome do povo para gerir aquilo que é do povo. Significa dizer que os eleitos têm uma grande responsabilidade com aqueles os elegem. Devem prestar contas, porque não estão a gerir aquilo que é seu. Isso não é ainda perceptível. Algumas instituições passam a informação através de relatórios e outros meios, mas há outras instituições com responsabilidades acrescidas que não fazem. Os poderes políticos, ao nível do poder local, não têm ainda esse exercício de disponibilizar informações aos cidadãos locais que os elegeram. Assim, a questão do avanço da boa governação ainda coloca alguns desafios, os avanços são ainda relativos. 

SCSTP: Na 1ª fase foram lançadas importantes bases em termos de reforço das capacidades das OSC santomenses em matéria de influência política, monitoria e trabalho em rede. Como é que isso será aproveitado nesta segunda fase?

EE: A segunda fase será potencializada a partir do conhecimento adquirido na primeira fase. Como disse anteriormente, fizemos 33 formações e isso será aproveitado para exercício de monitoria. Nesta fase, vamos realizar acções de capacitação mais especializadas que possam consolidar a realização dos exercícios previstos. Portanto, já temos a base e agora é fase de execução.

SCSTP: Quais os principais objectivos deste projecto e como é que pretende contribuir para a promoção da boa governação em STP?

EE: O projecto tem o foco de contribuir para melhoria da boa governação e prestação de contas numa perspectiva de impulsionar um desenvolvimento de qualidade. É certo que o país não tem recursos próprios suficientes para sozinho desenvolver-se e precisa recorrer aos parceiros, pois as contribuições internas não chegam. O que se pretende é tentar influenciar os decisores a fazerem a melhor gestão possível dos recursos disponíveis que o Governo consegue mobilizar. Pressupõe-se também que haja uma consciencialização pública daquilo que deve ser a gestão dos recursos públicos para que se observem os princípios da boa governação. Estamos a falar da transparência, prestação de contas, responsabilização, da ética. Este projecto vem procurar melhorar a governação e assim a qualidade do desenvolvimento do país.

SCSTP: Quais são as metas que este projecto ambiciona alcançar no domínio da governação e da prestação de contas em STP?

EE: Apesar do termo do projecto ser em 2015, umas das metas ou um dos nossos sonhos é que a gestão dos recursos públicos e a qualidade do desenvolvimento possam melhorar. Que nós possamos ter uma melhor governação em 2020 e que as instituições públicas possam prestar contas e se sentirem responsabilizadas. Queremos também que até lá as organizações da sociedade civil se sintam mais envolvidas no processo de consulta e nas tomadas de decisão, para participarem na governação. É verdade que hoje a sociedade civil é mais chamada para assuntos da governação, mas é preciso melhorar um bocado mais. Por outro lado, o acesso a informação sobre a gestão das finanças públicas, incluindo sobre a gestão das Câmaras distritais. Na primeira fase do projecto, envolvemos as Câmaras em acções de capacitação e sensibilização sobre a importância da participação das pessoas na gestão daquilo que é público.
Há uma boa base de trabalho que até 2020 esperamos consolidar. Na perspectiva das Câmaras se sentirem disponíveis e apropriarem dessa boa prática de prestarem contas às pessoas que as elegeram. Hoje já se faz consultas públicas, mas era necessário que houvesse espaço para que a sociedade civil pudesse expressar sobre a sua posição ainda na planificação. Ouvem-se as pessoas, elabora-se o orçamento e é enviado à Assembleia, para ser analisado e aprovado, sem que a sociedade civil possa expressar sobre ele. Não há nenhum espaço de participação da sociedade civil organizada. Seria desejável que houvesse um espaço formal para que a sociedade civil possa posicionar em relação ao orçamento. 

SCSTP: Até porque a sociedade civil é parceira do estado …

EE: É sim. Temos vindo a trabalhar neste sentido para consolidar essa parceria. Há organizações no terreno que dão grandes contribuições. O governo e sociedade civil são actores diferentes e têm naturalmente perspectivas diferentes. Mas, havendo espaço para que a sociedade civil possa participar, seria um contributo para que de facto se conhecesse a perspectiva do outro lado. Isso é um grande desafio que se nos coloca.



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