sexta-feira, 9 de agosto de 2019

"A PRINCIPAL CAUSA DO TRABALHO INFANTIL É A DETERIORAÇÃO DA SITUAÇÃO ECONÓMICA DA SOCIEDADE E DAS FAMÍLIAS”

O Inspector Geral do Trabalho, Tiny dos Ramos, fala da situação do trabalho infantil em São Tomé e Príncipe e aponta pistas para maior eficácia na luta contra essa realidade no país. Fala também do papel das famílias e da sociedade civil organizada na luta contra o trabalho infantil e explica as principais dificuldades nessa batalha que deve contar com os diferentes actores da sociedade.

Sociedade Civil STP: O que é trabalho infantil?

Tiny dos Ramos: Para aquilo que vem definido em documentos legais, estamos a falar de certas acções ou práticas que envolvem uma criança que é individuo com menos de 18 anos. São actividades com benefícios económicos realizadas por um menor, não cumprindo os requisitos salvaguardados nas leis. 

SCSTP: Há trabalho infantil em São Tomé e Príncipe? 

TR: Sim. De uma maneira geral, podemos dizer que sim. Mas é um trabalho infantil que eu não me atreveria a falar de forma abusiva da sua existência com cifras, mas seria pecado dizer que não há trabalho infantil no país e está sobretudo no sector informal como a agricultura. 

SCSTP: Quais são as piores formas de trabalho infantil no nosso país? 

TR: O trabalho infantil está na agricultura, mas também na prostituição. São questões que não podemos definir com propriedade dada a transversalidade do problema. Não é uma situação excepcional. Por exemplo, dada a informalidade no sector agrícola, há pouco acompanhamento. Nos sectores onde há poucos mecanismos de controlo, vemos anomalias e situações constrangedoras para as crianças e o bem-estar da própria sociedade, pois põem em causa o desenvolvimento do país. 

SCSTP: Porque motivo há trabalho infantil no país? 

TR: Podemos inicialmente apontar a deterioração da situação económica com grande impacto no desenvolvimento social do país. Esta é a linha de base. Na medida em que a situação económica das famílias vai-se degradando, vão surgindo novas práticas e desafios para essas mesmas famílias. Como a célula principal da sociedade, a família estando exposta, esses efeitos negativos têm impactos maiores nas crianças. 

SCSTP: Qual é a proposta da Inspecção de Trabalho para reverter a situação? 


TR: Dada a sua transversalidade, a situação requer uma união dos esforços com responsabilidade partilhada. A sociedade deve ter um papel vigilante, sendo ela quem acompanha, assiste e aceita a realidade do trabalho infantil. Se a sociedade não aceitasse, essa prática não teria espaço para o seu crescimento e tornar realidade como é no nosso contexto. É ali onde se deve começar. A Inspecção, por si só, torna-se incapaz para dar respostas a toda essa situação. A Inspecção tem limitação no seu âmbito de actuação, tendo como princípio orientador as leis. E nessa matéria, só as leis não chegam. É preciso acompanhamento das situações. Às vezes detectamos situações de trabalho infantil, mas temos que recorrer a outras instituições para nos ajudar a resolver, como é o caso da Protecção Social. A educação também é um sector importante na luta contra trabalho infantil, uma vez que estando as crianças fora da escola, torna-se mais fácil estar nessa prática. 

SCSTP: Há uma lei que proíbe o trabalho infantil. Qual é a dificuldade na aplicação dessa lei? 

TR: A dificuldade está, na sua maioria, na conjugação de esforços. A informalidade que se vive no país e a situação da deterioração económica contribuem muito para que não se consiga aplicar essa lei na sua totalidade. Não é só termos uma lei e o poder político definir as regras que vamos lá chegar. É preciso um trabalho conjunto e bem estruturado, onde entra o poder político, a sociedade civil e as comunidades, capaz de exigir a cada família a assunção da sua responsabilidade com as suas crianças. Na verdade, nem tudo o que apontamos como trabalho infantil o é. Temos actividades nas famílias que são prejudiciais às crianças e assumimos isso como trabalho infantil. 

SCSTP: A Inspecção do Trabalho tem trabalhado com as famílias e comunidades para a sua sensibilização? 

TR: Honestamente, não. Nessa situação somos uma espécie de bombeiros. Quando há situações urgentes, somos chamados e ajudamos a resolver. Onde se tem feito algum trabalho nesse sentido é a Protecção Social que faz parte do mesmo ministério, que tem programas específicos de acompanhamento às famílias. Há programas na Protecção Social que apoiam mães carenciadas, justamente para evitar o trabalho infantil. É ali onde fazemos o acompanhamento. O problema não está na inspecção, mas sim no acompanhamento que é um papel bem diferente. E ali não é a inspecção que deve fazer. 

SCSTP: Que dados existem sobre o trabalho infantil no país? 

TR: Nós já chegamos a acompanhar vários casos de trabalho infantil, mas não temos registos de situações. Não temos dados. Um exemplo de trabalho infantil é quando as crianças participam do grupo de danças que são convidados para festas noturnas. E elas são remuneradas. É trabalho infantil, pois os pais consentem, a uma criança, uma prática remunerada que traz alguma satisfação para a família. Agora, não temos esses registos rigorosos para falarmos com propriedade de dados quantitativos sobre trabalho infantil no país. 

SCSTP: Como é que o trabalho infantil está a ser discutido na agenda pública e política? 

TR: O problema é discutido, mas não se organiza para enfrentá-lo. O problema continua e vai aumentando enquanto não o resolvermos de maneira definitiva. Essas situações vão evoluindo com o tempo e estamos parados a ver tudo acontecer. Para isso, é só fazer campanha de sensibilidade de uma semana ou spots na tv e rádio. 

SCSTP: Quais são as consequências do trabalho infantil? 

TR: Estamos a falar de muitas consequências. O próprio desenvolvimento vai estar em causa. Estamos a falar de gerações que vão estar limitadas. Estamos a falar de famílias que se vão desintegrando a cada dia, é a cultura que se vai perdendo, pessoas que não se formam, aumento de criminalidade e delinquência. Tudo negativo. 

SCSTP: Os que defendem o trabalho infantil argumentam que é preferível uma criança trabalhando a ficar exposta a uma situação de rua. Como avalia esse tipo de discurso? 

TR: Primeiro, é condenável e contestável qualquer tipo de trabalho infantil. Não sei em que condições uma pessoa defenderia trabalho infantil! O trabalho infantil não se defende e deve ser erradicado. Estamos a falar de um problema e não deve haver defensor desse problema. Não é bom que haja crianças na rua e não é bom que haja trabalho infantil. Estando na rua, uma criança estaria mais vulnerável a trabalho infantil.

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