Representante Adjunta do UNICEF em São Tomé e Príncipe, Mariavittoria Ballotta, fala sobre a missão da instituição no país. Mostra progressos alcançados nos últimos tempos e explica como é que as instituições devem cooperar para protegerem os direitos das crianças. Fala ainda sobre a importância da protecção social das crianças passar também pela família enquanto agentes fundamentais no seu desenvolvimento.
Sociedade Civil STP: Qual é a missão da UNICEF em São Tomé e Príncipe?
Mariavittoria Ballotta: A nossa missão é promover e proteger os direitos das crianças em São Tomé e Príncipe. A UNICEF apoia o estado santomense, Governo e a sociedade civil para promoverem e protegerem os direitos das crianças, sobretudo daquelas mais vulneráveis.
SCSTP: Quais os direitos das crianças santomenses que merecem mais atenção da UNICEF no âmbito das suas actuações?
MVB: Todos os direitos merecem a nossa atenção. Não um direito que seja mais importante que o outro. Todos os direitos da Convenção dos Direitos da Criança são importantes e precisam igualmente de atenção da parte de todos: família, pais, comunidades, Governo, entidades como a UNICEF que está no apoio e na observação do respeito por esses direitos. Claro que em países como São Tomé e Príncipe é importante ver a criança de uma maneira holística. Uma criança não só tem direito à educação, como ao mesmo tempo tem direito à saúde, à protecção, à brincar, acesso à cultura, etc. Todos esses direitos representam um conjunto de necessidades e oportunidades para a criança.
SCSTP: Qual é a necessidade de tratar de forma especial os Direitos da criança?
MVB: A necessidade é visível, tanto neste país como nos outros. Há crianças que ainda não vão a escola, que não têm acesso a cuidados de saúde de qualidade, que não têm família e que estão expostas a violência, infelizmente. É importante manter alguns progressos alcançados em alguns domínios. Por exemplo, a maioria das crianças santomenses tem registo de nascimento, mais de 98%. Mas não significa que temos que parar. É preciso continuar a sensibilizar e ajudar as famílias a fazerem o registo de nascimento das crianças, cumprindo assim o direito a identidade como um direito fundamental que permite a todas as crianças terem acesso a todos os outros serviços. Também não podemos parar de trabalhar no acesso a saúde de qualidade. Mais de 93% das crianças em São Tomé e Príncipe tem acesso a imunização. Mas não significa que temos que parar de fazer programas de vacinação que são fundamentais para o desenvolvimento da criança. Então, o enfoque particular hoje é na educação, para assegurar que todas as crianças tenham acesso e continuidade na educação, em particular para pré-escolar que é fundamental para a UNICEF e depois o ensino secundário e terciário. Um outro conjunto de direitos que são menos visíveis porque não têm um serviço visível como a educação e saúde, estão ligados a protecção contra a violência. Todas as crianças têm direito a uma infância feliz, protegida e segura. Então, acho que neste momento a protecção é um direito crítico para nós. Temos que unir esforços e agir em conjunto.
Falar sobre direito de brincar das crianças nos dá oportunidade de ver as crianças no centro da sua família e da sua comunidade. As crianças não se desenvolvem sozinhas, mas sim num contexto de adultos que cuidam delas. Para cuidar das crianças, esses adultos também precisam de ajudar, em muitos casos. A política de protecção das crianças que apoia as famílias mais vulneráveis permite que essas crianças aproveitem plenamente dos seus direitos. As crianças não se desenvolvem sozinhas, e assegurar o direito das crianças sem apoiar as famílias não é uma equação que vai funcionar. Temos de trabalhar com as famílias. Temos que identificar as famílias com necessidades especiais e trabalhar num conjunto de programas que visam resolver a problemática social das famílias e dos adultos.
SCSTP: Porquê que se fala sempre dos direitos das crianças e não nos seus deveres?
MVB: A infância é uma fase de oportunidade mas também de vulnerabilidade. Neste sentido, direitos e deveres estão ligados ao apoio dos adultos às crianças. Deve haver um seguimento e um acompanhamento. Os deveres passam por diálogo, explicação e disciplina positiva e não violenta. Assim, assegura-se que a criança tenha deveres claros. Para não passarmos para métodos disciplinares violentos, achando que assim as crianças vão apreender melhor. Não funciona assim. Hoje temos evidência da ciência que nos diz que uma criança que vive uma infância violenta não consegue evoluir na sua vida educativa e social em comparação com uma criança que tem a possibilidade de ter cuidado dos adultos e diálogo positivo com os seus pais na fase de crescimento.
É importante nós lembrarmos da nossa infância e ver como é que nós gostaríamos de ser tratados. O nosso desejo é termos passado tempo com os nossos amigos, brincar, dormir tranquilo, ir a escola, etc. É preciso voltar no tempo e ver o que significa ser criança. Lembrar se na nossa experiencia tivemos situações de violência. Como é que foi a nossa reacção? Gostamos? Foi momento de aprendizagem importante? Havia outras maneiras de passar esse tipo de aprendizagem? É importante, insisto mais uma vez, um apoio aos pais que vivem muitas vezes em situação de pobreza e de vulnerabilidade, e talvez não têm outras medidas para educar as crianças. Os serviços de apoio não podem ser apenas os serviços da educação e da saúde, mas também serviço de apoio psicológico e de aconselhamento e acompanhamento dos pais na sua tarefa que é fundamental no desenvolvimento das crianças e da sociedade.
SCSTP: Que lacunas ainda existem, do seu ponto de vista, no domínio da infância em STP?
MVB: São Tomé e Príncipe é, antes de tudo, um modelo em muitas áreas da infância em relação a muitos países. Eu falei no registo de nascimento e da imunização. Também na educação os dados são encorajadores. Há ainda bastante trabalho a fazer, sobretudo na qualidade desses serviços e equidade no acesso. Não são todas as crianças que têm acesso a esses serviços. Os 5% que falei que não tem acesso à imunização é a nossa prioridade. Os 10% que ainda não tem acesso a pré-escolar ou ensino básico é a nossa prioridade. Há crianças e jovens que não têm oportunidade de aprendizagem no ensino secundário. Isso também deve ser a nossa prioridade. Há crianças com necessidades especiais e que todos os dias estão sujeitas à violência, tanto física como psicológica. Também deve ser prioridade.
SCSTP: Como avalia a colaboração entre UNICEF e Estado santomense?
O Estado santomense é o actor principal na protecção dos direitos das crianças. Nós, a UNICEF, estamos no apoio a agenda do Governo. A nossa prioridade é alinhada com a agenda do Governo e com a Convenção dos Direitos da Criança de que São Tomé e Príncipe é parte. A UNICEF não substitui o Governo, mas apoia para que possa desempenhar o seu papel de protecção das crianças. Nós temos também um papel de advocacia. Por exemplo, quando temos uma oportunidade como esta, temos que apelar e advogar, tanto para o Governo como para os pais e para as comunidades.
SCSTP: Como é que a UNICEF contribui para que o Estado santomense cumpra as orientações internacionais, nomeadamente consagradas na Convenção para o Direito das Crianças?
MVB: UNICEF trabalha com uma serie de estratégia. A nível institucional, damos apoio técnico e reforço de capacidades para desenvolvimento de políticas que têm como beneficiário principal as crianças. Por exemplo, muito recentemente apoiamos o Ministério da Educação para o desenvolvimento de Carta de Política Educativa, em colaboração com o Banco Mundial. Trabalhamos também em estratégias de saúde e de protecção da criança. Apoiamos o desenvolvimento de um pacote de leis para a protecção da criança e família que está em vigor há alguns meses. Esse pacote de leis permitiu a criação de um quadro legal sobre os direitos das crianças. Numa perspectiva mais perto das comunidades e das famílias, a UNICEF apoia serviços como a compra de vacinas para Centros de Saúde, disponibilização de materiais pedagógicos de educação para escolas, formação de professores e educadores, mas também apoio para o funcionamento de Centro de Aconselhamento Contra Violência Doméstica, apoio para o Centro de Interacção Jovem, formação sobre competência para a vida para jovens e adolescentes. Para assegurar a participação dos jovens, a UNICEF apoiou a criação de Parlamento Infanto-juvenil que é um instrumento importante para a exprimir as suas opiniões e visão sobre o desenvolvimento do país. Este ano celebramos 30 anos da Convenção para o Direito das Crianças. É um aniversário muito importante a nível mundial. Para São Tomé e Príncipe, é uma ocasião pata confirmar o compromisso de cada um de nós para com as crianças. As crianças devem estar no centro das decisões económicas e políticas. A criança não deve ser uma opção no investimento, mas sim a prioridade num país como São Tomé e Príncipe.
SCSTP: Quais as perspectivas da instituição para um futuro próximo na luta pela promoção e protecção dos direitos das crianças em STP?
MVB: Continuar a apoiar programas do Estado santomense na luta para a protecção das crianças. Focar nos grupos mais vulneráveis e consolidar progresso do ponto de vista de política e estratégia nacionais que têm como objectivo a universalização do acesso, concentrando esforços nas crianças mais invisíveis e mais vulneráveis. Não podemos fazê-lo sozinho. O principal parceiro é o Governo, depois as comunidades, as famílias, outros parceiros como a Federação das ONG (FONG-STP) que é um parceiro que representa a sociedade civil no país, e outras agências da ONU presentes no país. Na nova reforma da ONU, estamos a encontrar maneiras das agências trabalharem juntas. No domínio da adolescência, trabalhamos com FNUAP. Na área da vacinação, trabalhamos com OMS. Na área da protecção social, trabalhamos com BIT. Na área da educação, trabalhamos com o PAM. Temos outros parceiros importantes, como o Banco Mundial, a União Europeia entre outros.
SCSTP: Que mensagem tem a deixar para esses parceiros?
MVB: É um apelo à colaboração e não deixar de sentir esse sentimento de urgência sobre direitos da criança. Não deixar que os direitos das crianças sejam apenas uma palavra na nossa rotina, ou um conceito abstracto e teórico. É preciso manter a consciência do significado desses direitos na realidade. Quando tivermos crianças na rua, fora da escola, sem protecção, não estamos a cumprir os direitos das crianças.
A sociedade civil é um actor insubstituível para mudar a realidade das crianças. A sua acção de advocacia junto dos poderes e da sociedade em geral deve ser contínua, para juntos alcançarmos a agenda dos direitos das crianças.
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