Carlos Tavares, jurista e membro da ONG ADAPPA, fala sobre Sistemas Importantes de Património Agrícola Mundial (SIPAM) e a pretensão de São Tomé e Príncipe de atingir esse estatuto, e explica como está o processo de candidatura. Fala ainda sobre a importância de práticas agro-ecológicas na produção alimentar e na vida das pessoas em São Tomé e Príncipe.
Sociedade Civil STP: Pode antes de tudo esclarecer estes dois conceitos: SIPAM e Agroecologia?
Carlos Tavares: SIPAM são Sistemas Importantes do Património Agrícola Mundial. É um programa lançado pelo Fundo das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura, FAO, em 2012, para protecção de determinadas práticas agrícolas e promover práticas agrícolas sustentáveis. Nós hoje falamos da candidatura de São Tomé e Príncipe ao SIPAM como um processo que se vai desencadear assim como aconteceu na Região Autónoma do Príncipe com a Reserva Mundial da Biosfera. São Tomé e Príncipe vai fazer uma candidatura ao SIPAM para valorizar a maneira como fazemos a nossa agricultura. É uma maneira peculiar de praticar a agricultura e resulta de práticas que conservam a nossa biodiversidade, quer do ponto de vista da fauna como da flora. Agroecologia é praticar agricultura de maneira ecológica, ou seja, praticar uma agricultura sustentável com respeito ao ambiente. Estamos a falar de uma agricultura que obedece técnicas próprias e práticas adequadas.
SCSTP: São Tomé e Príncipe pretende candidatar-se ao SIPAM. Como é que está esse processo?
CT: Esta iniciativa parte da Sociedade Civil Organizada. Como sabe São Tomé e Príncipe faz parte da Rede da Segurança Alimentar e Nutricional da CPLP e nesta rede há todo o apoio da ONG ACTUAR, técnico e administrativo. Então a ONG ACTUAR propõe ao projecto FOR.BIO este tema. Nós achamos importante e de capital importância para o país. Por isso, nós do projecto FOR.BIO, executado pela ONG ADAPPA, ACTUAR e OIKOS, achamos que isso seria um assunto do interesse público. Neste sentido, fizemos uma carta para explicar toda essa situação ao Ministro da Agricultura. Em resposta, recebemos um parecer favorável em relação a pretensão de formalizar uma candidatura ao SIPAM. Neste momento, nós temos o apoio da ONG ACTUAR e envolvência da Rede Bio, que é formada por 7 organizações que actuam em São Tomé e Príncipe no domínio ambiental. Neste momento a Rede Bio está a preparar um manifesto sobre a candidatura de STP ao SIPAM.
SCSTP: Qual a importância da agroecologia na produção de alimentos e na vida das pessoas?
CT: A agroecologia é extremamente importante para questões ambientais. Pois, estamos a falar de práticas agrícolas amigas do ambiente. É uma agricultura que respeita as regras da policultura, que protege muito a flora e em simultâneo a fauna. Esta agricultura visa, essencialmente, trabalhar de forma natural e sustentável, usando técnicas e práticas que permitam que o agricultor tenha produção ao longo prazo e de forma sustentável, com pouco investimento.
Visa o respeito do homem pela natureza. É um pouco daquilo que se fazia antes da revolução industrial. Nós sabemos que a revolução industrial teve as suas vantagens, mas teve desvantagens para a agricultura. A substituição do trabalho manual para as maquinarias e as consequências das guerras mundiais deixaram muitos produtos químicos e tóxicos que prejudicam o ambiente. O monóxido de carbono, o nitrogénio e muitos outros tornaram-se em agro-tóxicos para combater as pragas nas culturas. Hoje, vimos que combatendo as pragas com esses produtos, estaríamos a pôr em risco grande parte da biodiversidade e comprometer a qualidade da produção agrícola. Isso contribui para o empobrecimento do solo. Vários governos adoptaram este tipo de cultura que é sustentável. Retirou-se os agro-tóxicos e começou-se a usar produtos fitossanitários que a natureza nos oferece tanto para a fertilização do solo como para o combate das pragas. Estamos a falar de leguminosas e compostos feitos localmente. A natureza nos oferece tudo para a nossa sobrevivência e podermos ter uma vida saudável. Outra questão é que a agroecologia está intimamente ligada a pecuária. O homem e o animal alimentam a terra e a terra alimenta a planta e a planta alimenta-nos a nós (animais e homens). É um ciclo.
SCSTP: Que grandes questões a agroecologia levanta? O que precisa ser falado quando o assunto é agroecologia?
CT: Quando falamos da agroecologia, estamos a falar do respeito pelo ambiente e produção agrícola de maneira sustentável. Estamos a falar de uma diversificação de cultura e não da monocultura. O homem em contacto com os agro-tóxicos, sabemos que é prejudicial para a sua saúde. Então, estamos necessariamente a falar da saúde das pessoas e da qualidade de vida.
SCSTP: Voltando ao SIPAM: Que vantagens terá o país caso venha a atingir o estatuto de membro do SIPAM?
CT: Como já disse, o SIPAM é lançado pela FAO. A FAO tem todo o interesse em proteger esses sistemas agrícolas que existem no mundo inteiro. São um total de 37 reconhecimentos SIPAM, e sendo que em África temos alguns exemplos como Tanzânia, Quénia, Marrocos, e neste momento estamos a concorrer em São Tomé e Príncipe. Este reconhecimento abrirá portas para muitos financiamentos como o GEF (Fundo Global para o Ambiente). A mesma coisa que acontece com a Região Autónoma do Príncipe, em relação a UNESCO para a Reserva da Biosfera, irá acontecer com o país tendo acesso aos financiamentos da FAO. Nós fazemos esta candidatura porque achamos que São Tomé e Príncipe tem potencialidade. Temos uma prática agrícola em São Tomé e Príncipe que protege a biodiversidade. Aqui está o nosso ponto forte. E depois vem a organização dos agricultores, a maneira como as pessoas trabalham, a vida deles no quotidiano e a experiência desses agricultores nessas práticas. São, portanto, os pontos favoráveis que nos permitem realizar essa candidatura.
SCSTP: A prática da agroecologia não permite uma produção de alimentos em escala. O mundo tem milhões de pessoas para alimentar, num momento em que a população tende a aumentar. A agroecologia é realista? Em que medida?
CT: É pertinente isso. É preciso produzir para alimentar as pessoas. Mas, eu diria que a agroecologia é sustentável. Tudo aquilo que encontramos nos agro-tóxicos e agro-químicos estão na natureza e ao nosso dispor. Eu não vejo a dificuldade em agroecologia dar respostas a este desafio. Pelo contrário. Acho que consegue dar resposta e de maneira sustentável. Permite a conservação dos solos.
SCSTP: Que impactos ambientais o uso de agro-tóxicos pode causar?
CT: São bastante nocivos à saúde humana. As pragas não resistem aos agro-tóxicos, mas quando classificamos um animal como uma praga, podemos estar a errar. Na natureza há predadores naturais na cadeia alimentar. Quando usamos os agro-tóxicos estamos a reduzir a biodiversidade. Com a agroecologia se pode fazer um controlo integrado através de técnicas da policultura e utilização de compostos naturais e não químicos.
SCSTP: Como é que a reforma agrária deve equacionar a prática da agroecologia em São Tomé e Príncipe?
CT: Estamos a falar de políticas públicas e medidas que os governos devem tomar. Não quero entrar muito neste campo. Mas estamos no bom caminho em termos de adopção da agroecologia em São Tomé e Príncipe. Temos fileiras de produção biológica, o que não quer dizer exactamente ecológica, mas encaixa-se na agroecologia. Já há um passo grande por parte das cooperativas de produção e exportação como a CEPIBA, CECAQ 11, CECAB e CECAFEB. São as quatro grandes cooperativas de produção biológica. A forma como fazem essa agricultura respeita o ambiente. Ao longo dos tempos, tiveram um grande apoio do Estado no quadro do programa PAPAFPA e agora através do PAPAC. Há um grande investimento a volta disso. Por isso, espero que este processo continue e que haja redução cada vez maio dos agro-tóxicos no país.
SCSTP: Há vozes que afirmam a agroecologia como um modelo a seguir em São Tomé e Príncipe. Por outro lado, o uso de agro-tóxicos tem aumentado nos últimos tempos. Trata-se de duas visões de agricultura para São Tomé e Príncipe?
CT: A visão é uma e única. Acho que os agro-tóxicos são mais utilizados pelos horticultores. Na ilha do Príncipe há iniciativas bastante boas de produção biológica de hortaliças. Existe umas iniciativas que merecem destaque e felicitação. O nosso país é bastante pequeno. A dimensão não permite produção em escala. Então a nossa força não é massificar a produção. É produzir a qualidade. A Madagáscar também é ilha como nós, mas a sua dimensão permite a monocultura e produção em escala. Não podemos concorrer com eles e com outros territórios insulares se não optarmos pela qualidade. E a qualidade está na agroecologia. Não está na monocultura nem no uso dos agro-químicos. Se quisermos uma vida saudável, uma agricultura sustentável isenta de agro-químicos, e concorrer com outros produtores a nível mundial, a agroecologia é o modelo a seguir por São Tomé e Príncipe.
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