sexta-feira, 11 de agosto de 2017

"HÁ UMA VANTAGEM ENORME DE SÃO TOMÉ E PRÍNCIPE ESTAR NA INICIATIVA PARA A TRANSPARÊNCIA DAS INDÚSTRIAS EXTRACTIVAS"


José Cardoso, Secretário Permanente da Iniciativa para a Transparência das Indústrias Extractivas (ITIE, sigla em inglês), fala sobre a gestão dos recursos provenientes do petróleo e explica porque é importante o país atingir uma boa posição no ranking desta Iniciativa. Fala ainda sobre o alargamento do perímetro da ITIE para sector das pescas e lança pistas para uma melhor gestão dos projectos sociais financiados com fundos do petróleo.

Sociedade Civil STP: São Tomé e Príncipe assumiu o compromisso com a transparência na gestão dos seus recursos. Qual tem sido o comportamento do país face a essa assumpção?

José Cardoso: Há um tratado entre São Tomé e Príncipe e a Nigéria sobre a exploração da Zona Económica Conjunta. O Tratado de Abuja que cria a Zona de Desenvolvimento Conjunto, assinado a 26 de Julho de 2004, no seu artigo 8º, creio, diz que tendo em conta a importância que a sociedade civil confere à transparência da gestão de receitas petrolíferas, deveremos implementar declarações desse tratado, utilizando uma plataforma pluripartidária como o grupo de trabalho nacional das partes interessadas para a Iniciativa da Transparência para a Indústria Extractiva Nigeriana. Seria uma aliança entre o sector público, a sociedade civil e os membros do sector privado. Este texto não está devidamente bem traduzido, mas é o texto do tratado e foi escrito em inglês. Neste artigo 8º do contrato assinado entre os Presidentes Obasanjo e Fradique já constava que os recursos seriam geridos de acordo com a Iniciativa para a Transparência das Indústrias Extractivas. Na altura, em 2004, já a Nigéria fazia a parte da Iniciativa e São Tomé e Príncipe não fazia. Em 2008, STP decidiu aderir à Iniciativa para a Transparência das Indústrias Extractivas e tornou-se país candidato. No entanto, o país não conseguiu desenvolver todas as acções e criar todos os órgãos que eram necessários para fazer funcionar a Iniciativa. Em 2010, o país foi afastado da iniciativa e em 2011 recomeçou-se o processo de adesão e no dia 26 de Outubro de 2012 passamos a ser considerados como país candidato à Iniciativa. 

A partir daí, o país tem seguido o seu curso, tem implementado as acções necessárias para se manter como país candidato da Iniciativa. Já para a adesão, o país teve que criar as instituições, criou o Secretariado Permanente, criou o Comité Nacional que é o “patrão” da Iniciativa e indigitou um presidente para o Comité que é qualquer Ministro das Finanças de São Tomé e Príncipe. E desde então o trabalho tem decorrido. São Tomé e Príncipe assim teve que proferir uma declaração inequívoca com as regras da Iniciativa para a Transparência. Depois disso, já publicámos dois relatórios e vamos a caminho do terceiro. O primeiro foi publicado em 3 de Dezembro de 2014 e esse relatório cobriu a reconciliação das receitas petrolíferas desde 2003 a 2013, durante um período de 10 anos. O segundo relatório publicado em 2 de Outubro de 2015 referiu-se ao ano fiscal de 2014. Neste momento, estamos a preparar para a publicação do terceiro relatório que está em fase de conclusão. Ele já foi alvo de discussão ampla por todas as partes interessadas como costumámos considerar, por exemplo a Sociedade Civil, Governo, empresas, parlamentares, autarcas e personalidades que nós chamámos para um workshop para apresentar o relatório antes da sua conclusão, para fazerem os seus comentários. Estamos a aguardar os comentários para o concluir e proceder à sua apresentação. Depois disso, o relatório será publicado e disseminado o mais amplamente possível por São Tomé e Príncipe em Setembro, possivelmente. 

SCSTP: Porque é que é importante o país atingir uma boa posição no ranking da Iniciativa para a Transparência nas Indústrias Extractivas? 

JC: O país entrou na Iniciativa para cumprir com os seus princípios. A iniciativa tem um standard composto por normas que os países membros devem cumprir. Todos os países que estão na Iniciativa estão para cumprir essas normas. Um país que está bem classificado de acordo com as normas da Iniciativa para a Transparência é um país capaz de atrair melhores investidores na Indústria. É um país que diz que faz uma boa gestão dos seus recursos provenientes da indústria extractiva. É um país que pode apresentar à sua população o melhor possível que tem de recursos provenientes da indústria, que em última análise, pertencem às populações. Daí que há uma vantagem enorme de São Tomé e Príncipe estar na Iniciativa. A título de informação, o país passou por um processo de validação que culminou com a classificação como país com um progresso significativo. Isso quer dizer que STP está num lugar mediano. Até ao momento, não há nenhum país classificado, segundo as normas de 2016, com resultado superior. Portanto, é muito importante para o nosso país que assim seja, porque vivemos da ajuda externa e da cooperação. Cumprir estas regras da transparência e estar bem classificado traz uma melhor capacidade de negociação com os parceiros, como o Banco Mundial, União Europeia e outros parceiros. Vai poder atrair empresas mais credíveis. 

SCSTP: Tem-se ouvido falar ultimamente no alargamento do perímetro da ITIE para sector da pesca. Como é que está essa pretensão e quais as vantagens para o país?

JC: O sector das pescas funciona um pouco como outros sectores da indústria extractiva. No sector das pescas também se alocam licenças, existem contratos com empresas, acordos com países para a exploração dos recursos pesqueiros nas nossas águas. A nível global, o mar tem tido uma importância enorme. Porque as receitas petrolíferas ainda não são suficientes para justificar o custo da elaboração dos relatórios, apesar deles até agora serem financiados com ajuda externa, o país decidiu alargar o perímetro da Iniciativa para o sector das pescas. Junto de um parceiro, o país desenvolveu, ao nível da Iniciativa, um estudo diagnostico para o alargamento desse perímetro. E esse estudo deu-nos algumas pistas de que realmente existem alguns pressupostos que nos levam a fazer a reconciliação das receitas provenientes das pescas. Ver aquilo que o Estado recebe das empresas que pescam nas nossas águas e também dos acordos que tem com alguns parceiros, como por exemplo a União Europeia, a Espanha, crio que também o Japão. Portanto, são acordos e actividades que geram receitas. E por esse motivo, são passíveis de passarem por um processo de reconciliação e publicação para que toda gente possa ver. E também, à semelhança da Iniciativa para a Transparência das Indústrias Extractivas, promover alguma contrapartida social. Eventualmente, projectos sociais para pescadores, para o desenvolvimento de alguns sectores pesqueiros, como a pesca artesanal, a pesca semi-industrial que ainda não temos. 

Desenvolvemos esse estudo e descobrimos que na realidade existe matéria para se começar a fazer reconciliação. Então, nós submetemos o pedido ao Conselho de Administração da Iniciativa e foi aceite, para que São Tomé e Príncipe fizesse a reconciliação para o sector das pescas também. No entanto, nós fomos positivamente surpreendidos pelo aparecimento de uma iniciativa para o sector das pescas concretamente, onde já estavam países que têm a pesca muita desenvolvida, como a Indonésia, a Mauritânia, Seichelles. O secretariado da iniciativa em São Tomé esteve presente na segunda conferencia que decorreu este ano em Bali, onde foram aprovadas as primeiras normas da iniciativa para o sector das pescas e neste momento o país tem abertura para se candidatar. O Governo foi comunicado e nós esperamos a sua decisão para saber se o país tem interesse em se candidatar para essa iniciativa e começar a publicar também a reconciliação das receitas no sector das pescas e promover um melhor apoio aos pescadores. Um aspecto forte dessa iniciativa para o sector das pescas é também tentar controlar a pesca ilegal nas nossas águas que é um factor importantíssimo. 

SCSTP: Uma das coisas que o Comité Nacional do ITIE defende é a fiscalização da aplicação dos fundos petrolíferos em obras sociais. O Comité quer com isso dizer que não há transparência nem eficácia na aplicação desses fundos?

JC: Não queremos concretamente dizer isso. São Tomé e Príncipe já tem ganho bastante com os projectos sociais. As empresas, ao abrigo dos contratos de partilha de produção que assinam com o Governo, financiam projectos sociais. São montantes alocados directamente para esse fim. O que nós queremos dizer é: para que as populações estejam satisfeitas, é muito que importante que elas ou seu representante faça parte da gestão destes projectos desde inicio. Para a Iniciativa, é muito importante que as populações saibam concretamente desde o início o que vai ser feito e que os projectos não se desenvolvam apenas de acordo com aquilo que os outros querem. Nós defendemos também, por essa via, uma maior fiscalização. Defendemos que fiscalizem os projectos incluindo as populações beneficiárias ou representante delas. Por outro lado, defendemos também que os projectos sejam bem negociados e que sejam executados a seu devido tempo. Por exemplo, nós temos concretamente um caso de 2015, está no relatório, os montantes contratados com as empresas eram de 4.283.000 USD. E os montantes executados são de 1.551.681 USD. Isto quer dizer que mais de cerca de 70% dos montantes alocados para o desenvolvimento dos projectos não foi executado. Não quer dizer que tenha sido perdido. No entanto, ouve uma perda de oportunidade e de satisfação da população. 

Outra questão é nós desenvolvermos projectos que tragam realmente benefícios às populações. Nós vemos o caso de navio Príncipe que foi financiando como projecto social, mas não funciona. Nós podemos apontar outros casos, como a canalização da água para Praia Gambôa que também não funcionou. Nós achamos que os projectos sociais devem ser devidamente fiscalizados para que as populações beneficiadas fiquem felizes, porque é para isso que existem os recursos naturais. 

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