Ernestina Meneses, Directora do Instituto Nacional para a Promoção da Igualdade e Equidade de Género, faz um retrato da situação das mulheres em São Tomé e Príncipe e explica o caminho a seguir para que a protecção e promoção dos direitos das mulheres estejam presentes na agenda política e lança pistas sobre como as mulheres devem organizar-se para lutar pelos seus direitos.
Sociedade Civil STP: É possível falar de avanços nos direitos da mulher nos últimos anos?
Ernestina Menezes: A mulher e o homem são diferentes. Têm diferenças natas inerentes aos sexos. Não obstante, é possível sim falar de avanços dos direitos da mulher nos últimos tempos. Se nós formos ver a questão da educação, hoje as mulheres têm mais acesso do que tinham há duas décadas por exemplo. Os dados de Recenseamento Geral da População 2012 e os dados administrativos do Ministério da Educação mostram que há uma igualdade de acesso e de participação entre mulheres e homens ao nível da educação. Se nós formos ver também a integração no mercado de trabalho, vamos perceber que tanto mulheres quanto homens estão integrados, hoje há mais participação das mulheres nesse sentido, ocupando cargos de relevância. Agora, não podemos dizer que estamos em pé de com os homens. As mulheres ainda se dedicam muito ao sector informal ou ao sector terciário onde estão em cargos que não são decisórios. O homem ocupa cargo de maior relevância e decisão. Mas se nós formos ver, há um desenvolvimento e uma conscientização que é muito importante neste domínio. Não se pode fazer nada sem que as pessoas tenham consciência dos problemas. Em todos os domínios há avanços no reconhecimento dos direitos das mulheres.
SCSTP: Quando se observa o desequilíbrio das relações de género entre homens e mulheres, diria que é um aspecto cultural enraizado?
EM: Sim. Porque, a questão do género é um problema social, é uma questão do aprendizado. As pessoas não nascem homem ou mulher, mas são feitas homem ou mulher através do aprendizado. É a sociedade, num primeiro momento no seio da família e depois a sociedade de uma forma mais alargada, que vai dizer o que cada indivíduo pode fazer e o que não pode fazer relativamente ao seu sexo. Essas coisas que um indivíduo pode ou não fazer são um conjunto de regras que, muitas vezes, minimizam ou colocam a mulher ou o homem numa situação de maior dificuldade. Quando diziam, há muitos anos, que a mulher não podia estudar, não pode falar alto, a mulher não deve ter palavra numa reunião, assim, essa mulher está a ser educada para que ela não seja interventiva, para que não exponha os seus sentimentos e para que não consiga negociar. Quer dizer, é um conjunto de coisas que fazem parte do processo da socialização da mulher. E há também os preconceitos: o homem pode ter mais de uma mulher, pode bater na mulher, etc. Isso faz parte do conhecimento social. Todos acham isso normal e aceitam assim dessa forma. Agora, é necessário quebrar essa barreira e fazer perceber, tanto ao homem e principalmente à mulher, que as coisas não são assim e nem tem que ser taxativamente assim. Ao nascermos, não trazemos diferenças nesse aspecto.
Por sermos de sexo diferente, as mulheres têm algumas limitações. As mulheres passam pelo processo de maternidade e nalgum momento terá alguma debilidade. O corpo do homem já está preparado fisicamente com uma estrutura muscular mais rígida para determinadas tarefas, mas isso não implica que as mulheres não possam realizá-las. Até porque muitos dos trabalhos que se fazem hoje não exigem tanto a força física, pois há equipamentos de auxílio. O que ficou é a questão cultural e ideológica. É a ideologia colectiva em que as pessoas pensam que as mulheres não podem fazer determinadas coisas. É verdade que também há uma questão cultural e natural da responsabilidade da mulher: ela vai ter que dar à luz e amamentar. E isso, em certos momentos, vai impedir que as mulheres realizem algumas coisas. Mas não podemos dizer que é por causa desses impedimentos que as mulheres ficam num papel secundário. É preciso que as pessoas saibam que existem diferenças entre homens e mulheres, mas essas diferenças não devem atrapalhar quando se fala de igualdade de direitos.
SCSTP: Acredita que algum dia esta realidade vai mudar?
EM: Eu acho que sim. O 19 de Setembro, dia das mulheres santomenses, existe porque as mulheres saíram à rua em 1974 e exigiram. É possível que as mulheres de hoje também lutem pelos seus direitos. Há uma questão que é divisão político-partidária entre as mulheres santomenses. As mulheres com mais conhecimento estão filiadas em partidos políticos. Isso impede alguma união. Acho que é uma questão de alguma confusão, pois uma coisa é um partido político e outra coisa é um problema social que afecta as mulheres. Mas como estamos numa altura de muita politiquice, fazemos confusão entre estas duas coisas. É verdade que há essa confusão. Não se consegue reunir todas mulheres para trabalhar numa questão que interessa a todas as mulheres. É preciso sensibilizar as mulheres para se unirem. É preciso informar mais às mulheres. Normalmente, quase todas as manifestações, mesmo quando elas parecem ser muito populares, têm sempre alguns mentores por trás. Como as mulheres estão divididas politicamente, são elas que reivindicam quando deviam ser elas a assumirem. As pessoas estão amedrontadas que nem se percebe porquê.
Quando as mulheres são convidadas a participar, elas têm medo ir, não querem assumir e dar cara. Esse medo tem de ser trabalhado pelas mulheres. Assim, estaremos a aceitar tudo. E isso não é uma questão do homem ser malvado e querer tudo deixando as mulheres para trás. É uma questão cultural. O homem é fruto da sociedade. Os nossos governos são constituídos por homens e mulheres que também são frutos dessa sociedade machista, preconceituosa e limitada que somos. Logo, os comportamentos deles não podem ser muito diferenciados. Agora, nós temos que ajudá-los a perceber que determinados comportamentos podem influenciar, até ao nível político, o desenvolvimento. Como em todas as revoluções, fala-se muito sobre determinadas coisa, mas há um momento em que há necessidade sair à rua e gritar. Talvez seja isso que falte no nosso país. E não acredito que seja pela nossa pequenez, nem pelo facto de sermos todos primos, que isso não acontece. As pessoas quando fazem as coisas, fazem a pensar que está correcta, mas muitas vezes acaba por prejudicar as próprias pessoas que lhes rodeiam. Por ser uma coisa cultural, agem inconsciente e acreditam que assim é a forma correcta. Como muitas pessoas pensam que dar uma bofetada na mulher é normal. Então, se eu acho uma coisa normal, porquê que eu haveria de lutar contra ela?
SCSTP: Mas a mulher têm um outro problema que é económico …
EM: Essa questão económica da mulher também é uma coisa cultural. Durante muito tempo foi ensinado a mulher que ela não deve trabalhar. Tudo o que precisa fazer é arranjar um marido. O marido provirá. Também passa pela sensibilização. Só que as estruturas de que o Estado dispõe não têm capacidade de responder a esse desafio. As mulheres precisam ganhar a consciência de que não basta arranjar um marido. Elas precisam de rendimento para ter mais autonomia e a liberdade que precisam pra negociar. Como é que as mulheres negoceiam sem nada? O que está em questão é a própria sobrevivência das mulheres. Depender do marido para tudo. Por isso quando sofrem violência, continuam na relação porque não têm alternativas. Algumas organizações da sociedade civil já tentaram resolver a questão da renda para algumas mulheres. Por exemplo, Micondó deu micro-crédito para pequenos negócios. Mas elas não sabem gerir e não deu muito certo. É preciso que as mulheres cresçam mais e imponham. As mulheres precisam ver homens como companheiro e não como forma de sobrevivência. E quando é assim é muito complicado. Num casal em que as duas pessoas têm rendimento, a questão da violência e humilhação é residual. Porque a mulher já não admite violência e o homem respeita como companheira.
É verdade também que há mulheres violentas e que não se dão ao respeito. Há muitas mulheres que não se valorizam. Há promiscuidade e alcoolismo no seio feminino. Temos que perceber que não é fazendo coisas erradas porque os homens fazem, é que vamos nos valorizar. Nem todos os aspectos culturais são maus. Educar uma mulher para ela ser uma boa dona de casa, em termos de ser uma mulher afável, carinhosa com o marido, que dá atenção aos filhos, não é nada de mau. É coisa cultural que temos que preservar. A mulher não tem que deixar de ser mulher e ser homem. Ela precisa de ter uma maneira de prover a sua vida, participar na vida familiar e fazer-se respeitar. Muitas mulheres fazem confusão quando se fala de direitos iguais.
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