quarta-feira, 15 de abril de 2015

“O PODER LOCAL TEM QUE TER A CONSCIÊNCIA DE QUE NÃO É DE COSTAS VOLTADAS PARA A SOCIEDADE CIVIL QUE VAI ALCANÇAR RESULTADOS “

A professora Alda Bandeira analisa a relação entre o poder local e a sociedade civil santomense, e a participação dos cidadãos na governação local. Explica as formas de participação e como as organizações devem estar mobilizadas para que a participação se faça. 

Sociedade Civil STP (SCSTP): Que diagnóstico faz, em termos de participação na governação, da sociedade civil santomense?
Alda Bandeira: Nós temos que separar dois aspectos. Primeiro, é que a sociedade civil em São Tomé e Príncipe, enquanto sociedade organizada, ainda está na sua fase preliminar. Podemo-nos dar por satisfeitos porque a evolução tem sido bastante positiva. Partindo de uma situação em que o cidadão não tinha noção de que tem maior chances de alcançar os seus objectivos se estiver organizado, agora as pessoas começam a organizar-se. E hoje há uma tendência muito grande das pessoas se juntarem e criarem associações, grupos comunitários, e isso é bastante positivo. Agora, o poder local e regional, também ele está progredindo. Ainda não temos uma organização do poder local igual a países que têm esse processo já há muito tempo. Portanto, ele também está a evoluir lentamente e naturalmente que a situação hoje não é igual a 1992 quando se iniciou. Já há por parte dos quadros nacionais a inclinação para se disponibilizar para darem a sua contribuição a esse nível, o que é bastante bom. Porque o poder local, em democracia, chega a ser onde o poder está mais próximo da população e portanto tem maiores chances de contribuir de facto para haver mudanças significativas a nível do bem-estar e do progresso dos cidadãos.
A situação relativamente a participação da sociedade civil no governo local é ainda incipiente. Não é ao nível do que podemos ver nos países nórdicos, na europa por exemplo. Aqui em África, haverá países com maior intervenção da população organizada no poder local do que nós. Como é que a situação está realmente? Neste momento existem as organizações ao nível de todo o país, mas não há uma relação directa e intencional do poder local assim que é instalado, a partir das eleições, para procurar essa articulação com a sociedade civil. Eventualmente com a participação mais ou menos presente do poder local, mas ainda carecemos de uma estrutura articulada entre o poder local. Cada uma das autarquias e a região não têm logo como preocupação fazerem um senso de todas as organizações que existem ao nível local e estruturar esta presença de uma forma racional e consequente.

SCSTP: No seu entender, qual deve ser a relação entre o poder local e a sociedade civil?

AB: Deve ser mais estreita possível. Se por um lado o poder local está bastante próximo, é o poder a que as pessoas têm acesso imediato. Por exemplo, a população tem carência de água num distrito e a primeira entidade a quem ela se dirige para pôr o problema é o poder local. Não vai ao Governo, mas sim ao poder local. Existem problemas ambientais, por exemplo, que não é possível resolver ao nível central. É ao nível local porque é lá onde a população tem os seus problemas. Se a população agride o ambiente por necessidade, ela tem que ser instruída a nível local e com a sua participação para encontrar alternativa para responder a este problema e evitar a agressão que ela sem querer faz porque tem necessidade. A nível das organizações, tem de haver por parte de cada membro a consciência de que ele tem direito e deve participar. Este direito e dever de participar vai para além do voto. Depois de votar, a sua participação é mais intensa porque ela faz-se no dia-a-dia. É assim que eu penso que as coisas se devem articular e o poder local tem que ter a consciência de que não é de costas voltadas para a sociedade civil é que vai alcançar resultados. Eventualmente trabalhar na perspectiva de discutir com a população os programas e o orçamento. Porque fica o desconhecimento do volume dos recursos e fica por parte da população a ideia de que o poder não faz porque não quer e da parte do poder a ideia de que nós não temos e por isso não fazemos. Portanto, é preciso que haja um estar-junto para participar nesta discussão e os meios que existirem, vamos distribui-los dessa ou daquela maneira. E assim, todos os cidadãos inseridos numa organização acompanham essa execução e podem chamar atenção se a estratégia para atingir objectivos não estiver a ser bem conduzida. Então pode-se decidir não ir por um caminho e ir por outro. Isto é um trabalho muito interessante que a nível do poder local tem de ser feito para se alcançarem objectivos.

SCSTP: Acha que um dia isso será realidade em São Tomé e Príncipe?

AB: Porque não? Se os outros fizeram porquê que nós não fazemos? Nós podemos fazer. Não é assim tão difícil. Eu costumo dar o exemplo de Micóló. Em Micóló, a população sentiu o efeito das mudanças climáticas e da erosão ao nível das praias onde tinha a sua casa. Então, organizaram-se empiricamente e decidiu controlar as praias para evitar retirada de areia. Se isso for acompanhado da própria acção camarária, então a coisa se torna mais estruturada. Inclusivamente, vai ser possível mobilizar meios para aumentar a amplitude dessa intervenção e conseguir efeitos mais racionais. Porque a população a seu nível, decidiu que ninguém tira areia, mas ficou-se por lá e as casas continuam lá. Eventualmente com articulação com o poder local, estuda-se a situação ao nível de todo o distrito sobre esta problemática e trabalha-se na perspectiva de, por um lado, estancar este efeito da erosão, e por outro, encontrar alternativas para a população, quer ao nível da situação das suas casas, quer ao nível dos materiais de construção para as suas casas e eventualmente a forma de integrar melhor a população e encontrar soluções para muitos outros problemas que ela tem e que podem estar a resolver à sua maneira.

SCSTP: Para participar na governação, a sociedade civil precisa estar organizada. Como devem organizar-se?

AB: Estamos a ter uma evolução positiva. Nós tivemos um primeiro momento em que as pessoas se juntavam, mas depois não sabiam como se organizar, definir objectivos e programas e como defender esse programa perante a possibilidade de mobilização de recursos. Mas hoje, evoluímos bastante e já temos organizações até que se despontam bastante bem neste percurso. Temos por exemplo a MARAPA que hoje indiscutivelmente é uma organização que já tem uma identidade e já está especializada na sua área. Hoje, já evoluiu mesmo para uma área tão importante para o desenvolvimento como a investigação. E isto poderá concorrer para uma boa articulação com o poder de forma a contribuir para que se possa resolver uma serie de problemas e até projectar políticas que possam concorrer para que evoluamos no bom caminho. Portanto, o que é necessário de facto é que as organizações se estruturem o melhor possível e se especializem. Nós atingiremos melhor os objectivos se definirmos áreas cada vez mais específicas de forma que as pessoas se preparem melhor e estejam com a atenção direccionada para determinadas áreas e que possam fazer a sua incursão nestas áreas estudando e formando-se. Porque educação e formação é muito importante para que se evolua. Nós não evoluiremos para lado nenhum se não estudarmos e nos formarmos, sobretudo se não continuarmos a investigar. Temos que investigar para conhecer a evolução dos nossos fenómenos e nós mesmos encontrar caminhos com a ajuda de outros, porque não estamos a inventar nada. Hoje o mundo evoluiu e conhecimento hoje é global. Temos que aprender com as boas práticas que não são só nossas mas também dos outros. Portanto, para mim o importante é que as organizações se vão estruturando cada vez melhor, que as pessoas se formem e que deixem de experiências empíricas e que passem a fazer coisas racionais e bem estruturadas. Devem definir melhor os seus objectivos e na base disso os seus programas, estratégias e plano de acção de forma a atingirem esses objectivos. É isto que é necessário. Nós já temos a FONG que é uma estrutura que está a apoiar bastante as organizações, mas ao nível de todos os distritos e da região é preciso que surjam mais organizações de forma que as pessoas se insiram nelas para darem o seu contributo.

SCSTP: Que orientações ou sugestões deixa à sociedade civil para que a participação se faça?

AB: Por um lado, é preciso que se aprimore a organização das organizações da sociedade civil. Ao nível das comunidades locais que se melhore a organização das comissões de moradores e estudar formas de resolver problemas que os moradores têm. É muito comum as pessoas dizerem por exemplo que as crianças passam perigo porque têm que caminhar por estradas inseguras para irem a escola. Se houvesse a possibilidade de ter a escola mais próxima ou ter transporte, seria melhor. Ao nível dessas organizações, desde que se identifiquem os problemas é mais fácil. As pessoas têm que a consciência de interesses comuns e organizarem-se a volta desses interesses. Há muitas formas de organização. Um dos problemas que os pais sentem é a alimentação escolar. Isto pode haver sinergias levando várias outras dimensões da própria vida comunitária a serem resolvidas. Por exemplo, que as mulheres se organizem ao nível de produção de alguns produtos locais. Se eventualmente algumas mulheres produzem mandioca ou outro tubérculo, que se organizem para fornecer produtos a escola ou até estruturar-se na transformação para potenciar e melhorar a alimentação escolar. O poder local que deve gerir estes aspectos deve trabalhar no sentido de articular estas acções de produtores locais com vista a satisfação das necessidades que é de todos e usando os recursos que o poder local tem e que de outra maneira seria muito mais difícil. Há muitas coisas que se podem falar em termos de propostas. Por exemplo, não se consegue resolver problemas ambientais se não for com as populações ao nível do poder local. Este corte desmesurado de árvores porque as pessoas precisam de lenha, carvão, tábua para construção, para fazer canoas de pesca, isto tem que ser discutido com a população e encontrar alternativa ao nível das boas práticas que existem noutros países que resolveram estes problemas e levar a população a conscientizar-se de que isto é um problema e se continuarmos desta maneira vamos ter problemas climáticos, vai haver problemas com agricultores e assim a própria população colabora e aprende como os outros fizeram. 

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