quarta-feira, 13 de janeiro de 2016

“ESTE EXERCÍCIO DE MONITORIA DO ORÇAMENTO É UM PROCEDIMENTO QUE VEM AJUDAR NA MELHORIA E NA CAPACITAÇÃO DO PRÓPRIO GOVERNO”

Lúcia Neto, Secretária do Tribunal de Contas de São Tomé e Príncipe, fala sobre o relatório de monitoria ao OGE 2014 na componente obras públicas realizado pela Rede da Sociedade Civil para a Boa Governação e explica como é que as lacunas deixadas pela publicação da Lei 8/2009 - Regulamento de Licitação e Contratação Pública lesam o Estado santomense.

Sociedade Civil STP: Como é que esta Monitoria ao OGE 2014 na componente obras públicas poderá contribuir para a melhoria da governação? 

Lúcia Neto: O balanço que a própria FONG-STP faz sobre a monitoria é positivo. A qualidade e a quantidade de participantes na apresentação dessa publicação quer dizer que há já um grande número de cidadãos que tomam conhecimento das conclusões do trabalho e da governação, nomeadamente do ponto de vista da execução do orçamento na sua vertente obras públicas. Por si só, essa apresentação já tem um impacto para a sociedade. E esse impacto, obviamente, vai reflectir-se na governação. Eesta apresentação como tal, envolvendo camadas da população, representantes das empresas, os próprios dirigentes, faz com que a mensagem passe da melhor maneira possível. Essa publicitação já é um elemento positivo. Outro aspecto que se deve levantar é que a própria população deve estar consciente deste exercício de monitoria do orçamento e apropriar-se dele, e assim participar o máximo possível, quer na sua elaboração quer na sua divulgação. 

Quando falamos da boa governação, estamos a falar do exercício do poder a diferentes níveis, obedecendo aos princípios da transparência, honestidade e responsabilidade. Mas quando falamos da boa governação, também pressupõe automaticamente a capacitação do próprio Estado e das suas instituições para cumprir com os objectivos de desenvolvimento e de redução da pobreza. Daí que este exercício de monitoria do orçamento é um procedimento que vem ajudar na melhoria e na capacitação do próprio Governo. A divulgação da informação vai obrigar os poderes, em diferentes níveis, a melhorar a aplicação dos princípios que regem o orçamento, desde a própria elaboração, execução e acompanhamento. Quer dizer que já há um outro poder, o poder do cidadão, que vai exigir um pouco mais, porque ele já tem informação e conhece o que está a ser feito. Isto vai despertar a nível dos poderes a responsabilidade na aplicação e execução dos dinheiros públicos. A própria lei, que define a elaboração, a execução e o acompanhamento do orçamento, impõe princípios que devem ser cumpridos, com o objectivo de atingir a eficiência e eficácia exigida na gestão de dinheiros públicos. 

SCSTP: Uma das conclusões desse relatório é que a gestão de fundos da Ajuda Pública ao Desenvolvimento é pouco criteriosa. A outra conclusão tem a ver com algum incumprimento da Lei 8/2009 – Regulamento de Licitação e Contratação Pública. Essas constatações têm alguma semelhança com os resultados ou conclusões dos relatórios que o Tribunal de Contas tem publicado? 

LN: De certa forma sim. Relativamente aos incumprimentos da Lei 8/2009, é preciso dizer que esta lei contém nos seus artigos uma norma que diz que, a partir da data da publicação desta mesma lei, todos os contratos celebrados de aquisição e contratação de empreitadas de obras públicas em que o Estado é parte já não estão sujeitos ao visto prévio ou à fiscalização prévia do Tribunal de Contas. Tudo começa a partir daí. A própria fiscalização prévia significa que se o Estado celebrar um contrato no âmbito de obras públicas, esse contrato deve passar pelo Tribunal de Contas de forma a acautelar que todos os interesses do Estado sejam salvaguardados, para que não haja conflitos de interesse e que o concurso público cumpra os requisitos da lei.

Portanto, o Tribunal de Contas, quando fiscaliza preventivamente um contrato em que o Estado é parte, vê uma série de requisitos que são necessários observar, quer do lado do próprio Estado quer da outra parte, para que nenhuma das partes fique prejudicada. O Tribunal de Contas faz uma análise criteriosa e profunda destes pressupostos de base que estão na celebração dos contratos. Daí que quando esta Lei 8/2009 é publicada dizendo que a partir desta data os contratos já não passam pelo Tribunal de Contas, tudo é possível. Não há um sector ou entidade que fiscalize os contratos e dizer que são lesivos para o Estado caso sejam. Quer dizer que todos os contratos são celebrados, as obras são executadas e não há qualquer fiscalização nem controlo até à sua conclusão.

SCSTP: Na sua opinião, o surgimento desta lei traz desvantagens para o país?

LN: Traz desvantagens para o Estado porque não há um órgão que fiscalize e o Tribunal de Contas não se pode pronunciar relativamente a esses contratos antes da efectivação das despesas. Muitas vezes o Estado engaja-se num contrato que é lesivo para o país. Como concluiu a FONG no seu relatório de monitoria ao OGE 2014 na componente obras públicas, muitas obras tinham conflitos de interesse, quer do ponto de vista da fiscalização quer do ponto de vista do próprio empreiteiro. São esses aspectos que são necessários acautelar para que os contratos não sejam lesivos para o Estado. As conclusões que a FONG chega com o seu trabalho são muitas espelhadas nos relatórios de auditoria elaborados pela Inspecção Geral das Finanças e que são enviados para o Tribunal de Contas para efeitos subsequentes. 

Todas as auditorias feitas pela Inspecção Geral das Finanças também apontam como uma das fraquezas nesta área de obras públicas a falta de visto prévio do Tribunal de Contas. Estamos perante conclusões que, quer ao nível da Inspecção Geral das Finanças quer ao nível do Tribunal de Contas, nos somos unânimes. Também fizemos uma auditoria piloto ao sector de obras públicas que integrava os quatro grandes sectores das obras públicas: o Laboratório da Engenharia Civil, a Direcção de Obras Públicas, o Instituto Nacional de Estradas e a Direcção Administrativa e Financeira. Foi uma auditoria que nos permitiu também chegar a mesma conclusão: a falta de visto prévio faz com que haja alguma derrapagem relativamente ao sector de obras públicas.

SCSTP: Perante esta situação, qual a solução que o Tribunal de Contas apresenta ao Estado Santomense?

LN: O Tribunal de Contas, nos variadíssimos encontros que teve com os diferentes órgãos executivos, fez sempre presente a necessidade de revisão do artigo sétimo dessa lei. Portanto, até agora o Tribunal de Contas tem tido sempre o acolhimento do Governo no sentido de dar os passos necessários para materialização desta preocupação. Trazemos elementos concretos e evidências das consequências da falta de visto prévio. Da parte do Tribunal de Contas não resta outra alternativa a não ser mostrar argumentos de que este articulado deve ser revisto e aguardar. 

SCSTP: Em que medida este tipo trabalho realizado pela sociedade civil pode ser apropriado pelo Tribunal de Contas como um complemento dos seus trabalhos? Uma vez que esta acção de monitoria às acções dos governantes faz parte das atribuições do TC. 

LN: Este tipo de trabalho já é feito nos outros países da CPLP de uma maneira um pouco mais evoluída, em que os resultados são encaminhados para determinados sectores competentes ou são pequenas células junto ao sectores ligados a elaboração e a execução do orçamento. Ao nível de S.Tomé, é ainda incipiente mas de qualquer das formas temos que felicitar a FONG por um excelente trabalho, sendo o primeiro mas com alguma qualidade. É evidente que a própria lei diz que qualquer cidadão pode, por via de um requerimento, apresentar denúncia sobre caso que achar lesivo para o Estado, do ponto de vista de gestão de dinheiros públicos.

Perante este documento que a FONG apresenta, o Tribunal de Contas tem duas possibilidades. Nós já falamos sobre o documento e concluímos que há necessidade de tê-lo connosco, uma vez que tem elementos importantes que vão ajudar o Tribunal de Contas quando estiver a analisar a Conta Geral de Estado referente a 2014. É pena que é só no âmbito das obras públicas, mas é bastante importante. Este documento pode ser usado ao nível da Conta Geral de Estado e também pode ser disseminado ao nível das nossas equipas. Este relatório de monitoria também dá pistas para possíveis auditorias concomitantes, pois mostra que existem obras que foram iniciadas mas não estão concluídas. Pelos elementos que estão no documento, há muitas pistas para auditorias durante e depois das despesas. Embora uma obra esteja concluída, nada impede o Tribunal de Contas a desencadear uma acção de auditoria. 

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