sexta-feira, 16 de janeiro de 2015

“MUITAS VEZES, OS NOSSOS DIRIGENTES NÃO CONSEGUEM TRANSMITIR A SENSAÇÃO DE QUE ELES ESTÃO LÁ PARA NOS AJUDAR E NOS SERVIR”

O Presidente da Universidade Lusíada de São Tomé e Príncipe, Liberato Moniz, explica como a sociedade civil se deve relacionar com o poder para o desenvolvimento do país. Fala também sobre estratégias a adoptar quando há resistências à participação cidadã na governação.

Sociedade Civil STP: Como é que vê a relação entre as organizações da sociedade civil e o poder local em São Tomé e Príncipe?
Liberato Moniz: Eu vejo essa relação como imprescindível para que, efectivamente, as coisas possam ser feitas em STP. A sociedade civil tem a obrigação de dar o seu apoio ao poder local assim como de forma reciproca, o poder local tem o dever de conhecer e saber quais são as necessidades desses locais para que, em conjunto, e com os recursos disponíveis, dar vazão às ansiedades das pessoas e tornar cada vez mais a sociedade melhor.

SCSTP: Em que medida a sociedade civil pode ser considerada uma malha importante do xadrez para o desenvolvimento de São Tomé e Príncipe?
LM: Primeiramente, deixe-me dizer que a participação comunitária tem que ser dar e receber. É necessário que as pessoas que têm as famílias que são apoiadas façam um pouco, para que as pessoas que dão se sintam reconfortadas com esta inter-ajuda. Isto é imprescindível para que as coisas possam ser feitas e também para dar alegria às pessoas. Eu acho que não é bom as pessoas estarem sentadas à espera de receber. Há pessoas que não podem mais e têm mesmo que receber, porque estão nos últimos momentos das suas vidas e temos de proporcionar-lhes melhores momentos. Mas eu acho que os familiares dessas pessoas devem tentar fazer o melhor para ajudar as instituições que muitas vezes vêm de longe para dar um grande apoio em STP. Em relação à essa organização, o poder local e a comunidade, a comunidade primeiramente tem que se organizar para exigir ao poder local que faça aquilo que ela precisa. E muitas vezes sentimos que nem o poder local faz o seu papel porque estão lá pelo poder e não estão porque conhecem a localidade, sabem quais são os problemas das pessoas e como tentar resolver esses problemas.

Por vezes também é a própria comunidade que não se organiza no sentido de exigir às essas pessoas para que as coisas se façam. Então, se houver esse rigor, trabalho e interligação entre a comunidade e o poder local, ou os poderes locais, a coisa será feita. Se as pessoas souberem onde é que querem chegar, estou certo que vivamente em STP teremos uma sociedade melhor. Porque nós não podemos ficar sempre à espera do poder central. E muitas vezes, o poder central gosta de sentir que as pessoas precisam dele. Eu acho que o que deve haver não é esse sentimento do poder, eu mando, eu é que posso. O que tem que existir é sensação de que nós todos podemos colaborar e dar um pouco. Se o poder local fizer o pouco que pode fazer, o poder central já não terá que se preocupar tanto com aquilo. Tem é que estar a par, tem que acompanhar pra saber se está sendo bem aplicado e se as coisas estão sendo feitas como deve ser. Se isto acontecer, estou em crer que teremos uma sociedade forte, um poder local que diga que fez alguma coisa no final do mandato. O que fica mal muitas vezes é nós sentirmos que existem instituições nessas localidades que fazem tudo e que o próprio poder local, para além de não ajudar, é um estorvo para que se façam coisas nessa localidade. O poder central tem que aligeirar para que as coisas possam ser feitas.

SCSTP: Acha que o poder tem dado abertura para que a participação aconteça?
LM: As pessoas quando concorrem para as câmaras, concorrem com um sonho que é de resolver os problemas das pessoas que lá estão. E de uma forma genérica, são pessoas que lá vivem e que conhecem os problemas que querem resolver. O que é errado é que muitas vezes fica a sensação de que as pessoas concorrem simplesmente pelo poder. Então, é obrigatório e essencial que o poder local faça esse trabalho. E que faça o filtro daquilo que está feito para não voltar a repetir, em acções, aquilo que outras organizações já vêm fazendo. E quando se faz, que se faça bem para que não se tenha que voltar novamente daqui a 4 anos à estaca zero. Essa necessidade de continuidade de trabalhos e divulgação daquilo que se faz é outra coisa muito má em STP. Aquilo que se faz não é publicitado. É importante que seja publicitado para as pessoas saibam que aquilo existe e para pensarem como apoiar. Muitas vezes, posso ter um milhão para gastar com os meus amigos numas cervejas ou coisa parecida. Então penso: porquê gastar esse dinheiro numas cervejas se há uma organização que faz o melhor para as pessoas que muitas passam fome, têm problemas concretos. Então, eu acho que o poder tem que se organizar nesse sentido e sobretudo para incentivar as pessoas a fazerem o melhor para as suas localidades. Quem puder fazer mesas, faça. Quem puder fazer hortas, faça. Quem puder fazer pesca, vamos dar condições a essas pessoas.

SCSTP: Quando há resistência a participação ou envolvimento da sociedade civil no desenvolvimento local, que estratégia adoptar?
LM: Eu acho que a estratégia sempre a adoptar é do consenso. O bom senso é uma das melhores armas que nós temos, independentemente das normas e leis que servem para orientar a sociedade. Quando nós aplicamos o bom senso, as coisas funcionam. Primeiramente porque acho que não deve haver resistência do poder local, nem do poder central em relação a participação da sociedade civil. Porque se não fica a sensação que se tem em STP hoje em dia de que o poder ou os políticos só necessitam da população na altura das eleições. Depois das eleições todos desaparecem e cada um vai para a sua vida. E fica a sensação de que em STP o que existe é o poder pelo poder. O que deve haver em STP é uma troca, uma participação. Cada um dá aquilo que pode, dentro das suas possibilidades. Eu dou sempre o exemplo daquilo que eu conheci quando era mais novo: a minha mãe se recebesse um prato de comida, ela devolvia o prato com aquilo que ela tem ao vizinho. E hoje isso já não acontece muito. Nós oferecemos um prato de comida a alguém, muitas vezes nem agradece e até vende o prato. Mas isso é uma questão de educação. Nós também temos perdido um pouco a educação da própria sociedade. Isso deve ser feito aos poucos. Quando nós chegamos ao poder, temos de ter esse bom senso. Temos de saber estar. Temos de saber como comportar perante as coisas.
 Muitas vezes os nossos dirigentes não conseguem transmitir a sensação de que eles estão lá para nos ajudar e nos servir. Então, essa resistência muitas vezes é vista, não porque se quer, mas porque se deixa muitas coisas por fazer. O que eu aconselho ao poder central e local é que se aproxime cada vez mais da sociedade civil. Faço o mesmo em relação a sociedade civil porque esta não deve deixar-se intimidar pelo poder local nem pelo poder central. Deve aproximar e exigir. Temos que sonhar.  Isto de nós querermos fazer coisas pequenas pode não funcionar. Já somos pequenos, então pensemos grande para sermos conhecidos. Para sermos conhecidos, não é só o poder central. Nós temos que tentar ao máximo desenvolver o poder local, porque às vezes são esquecidos. E há pessoas nessas localidades fora do centro da cidade que são esquecidas. O país muitas vezes resvala pelo centro e esquece-se que temos muitos recursos no interior e tanta coisa a ser feita. Temos de fazer um levantamento daquilo que nós pretendemos e elencar muito bem como queremos lá chegar. Buscar os recursos financeiros e humanos para podermos dar um salto. E para isso temos de contar sempre com o poder central, local e com toda a sociedade. É com o conjunto das pessoas, sem excluir ninguém, é que nós conseguiremos construir uma sociedade melhor.  E uma sociedade melhor é contruída aos poucos. Ninguém pode ter a habilidade para fazer tudo num dia. Vamos fazer aos poucos. Vamos elencar quais são as necessidades primárias, aquilo que nós precisamos agora para que as pessoas tenham a base. Como dizia um meu professor: nós podemos começar no vão da escada, mas temos que ter a pensamento de que não vamos ficar ali. E o pensamento que temos que ter hoje em STP, tanto a sociedade civil como o poder local e central, é que temos que crescer com sustentabilidade, para deixarmos de mesquinhices e de dividirmos para reinar. Quando nós tentamos dividir para reinar, particularmente nessas localidades, saímos prejudicamos, porque em vez de fazermos, nós destruímos o pouco que há. Eu acho que temos que fazer o contrário.

SCSTP: O que tem constituído barreira na aproximação poder local, central e a sociedade civil?
LM: Eu costumo dizer que é um pouco a pobreza, não só material como espiritual. Em STP criamos uma coisa muito má que é: quem faz sou eu, eu é que fiz. Isto é mau. Todos nós podemos fazer. O essencial é que cada um dê a sua contribuição onde está. E não fique só à espera como se os outros fossem muito pobres e dependessem sempre de nós, porque nós é que somos o poder e nós é que somos o mais forte. Isto é totalmente errado e tem prejudicado sobremaneira essa sociedade. Vemos um grande número da população quase que se vergue constantemente perante aqueles que estão no poder. Pior ainda, estamos a criar uma sensação em STP de que só é poder quem tem dinheiro. Isto não é verdade. É poder aqueles que querem resolver os problemas da população, aqueles que têm ideias, aqueles que são líderes. São líderes são aqueles que a população reconhece pelo trabalho feito e não pelo dinheiro que tem.

SCSTP: Até que ponto uma universidade pode promover a participação comunitária?
LM: Nós, a Universidade Lusíada de STP, temos programas extra-curriculares precisamente pra isso. Por exemplo, patrocinamos uma escola em Morro Peixe e somos os padrinhos dos alunos. Não poupamos os esforços no sentido de tentar ajudar. Em todos os momentos. Mesmo uma ventoinha, pintura da escola, estar com eles nalguns momentos e fazer-lhes sentir que têm uma família e amigos, e têm com quem contar sempre. Fazemos outras actividades: debates que têm como fundamento incentivar as pessoas. Promovemos encontros com alunos de outras escolas para que eles saibam qual o caminho querem seguir. Junto ao próprio Ministério da Educação, aconselhamos e nos disponibilizamos no sentido de darmos todo apoio. Felizmente, desde que nós existimos, desde 2006, também temos sido fortemente acarinhados pelos governos, independentemente do ministro ou do governo.

E só temos a agradecer as essas pessoas, Presidente da República, Presidente da Assembleia, a sociedade civil e a todos quantos têm acarinhado essa Universidade. E se nós somos o que somos, devemos ao carinho dessas e sobretudo dos alunos que escolhem a Universidade Lusíada para continuarem a estudar. Fomos primeiros a promover a internet livre para toda gente, pois achamos que é uma coisa que a juventude em STP queria. Não é só dinheiro que ajuda. É preciso nós termos ideias, promovermos actividades, estarmos juntos das pessoas e falarmos com elas, e demostremos que estamos abertos a todo tipo de participação desde que traga mais-valia para a sociedade e particularmente ao nível da educação. Eu quando estou em STP, vou sempre a Universidade e é uma alegria pra mim ver um mar de estudantes jovens. Quer dizer que este país tem muita esperança. E os dirigentes deste país têm que ter essa responsabilidade e não ficar parados. Porque se esses estudantes que aqui na cidade são felizes, talvez outros que estão lá nas localidades não sejam porque não têm o mesmo recurso. Então temos que tentar distribuir, procurar e saber como apoiar. Estamos a fazer aquilo que podemos, mas podemos fazer mais se tivermos a colaboração do poder central e local. 

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