terça-feira, 13 de maio de 2014

"Em São Tomé e Príncipe teremos que trabalhar no sentido de participar nas discussões dos orçamentos e na publicação de dados sobre recursos"

Membro da Rede da Sociedade Civil para a Boa Governação (RESCBOGOV), Jorge do Carvalho do Rio, integrou o intercâmbio a Moçambique e fala da experiência trazida e dos desafios actuais em S.Tomé e Príncipe.

Sociedade Civil STP: Integrou a recente missão da RESCBOGOV a Moçambique. Que conhecimentos a Rede adquiriu com este intercâmbio? Quais as principais aprendizagens que trouxe consigo?

Jorge do Rio: Fui em representação da ONG MARAPA como membro da rede. Em carteira nós levávamos os seguintes objectivos: monitoria e advocacia de políticas públicas, transparência e boa governação, aumento de capacidade de influência política da sociedade civil santomense. Portanto, pretendíamos lá era ganhar experiência de trabalho. Nós visitamos várias organizações em Moçambique, a destacar o CIP de Moçambique que é uma organização bastante forte que nos deu muitos ensinamentos e encorajamentos. Têm feito um trabalho excelente e promissor para a sociedade moçambicana. Partilhamos com eles as dificuldades e boas práticas também, e tivemos várias apropriações de trabalhos de organizações congéneres. Vamos agora ver se trabalhamos essas habilidades com a nossa realidade. O CIP de Moçambique faz monitoria das políticas públicas, do Orçamento [de Estado], e faz advocacia. Portanto, são convidados pela Assembleia para acompanharem a discussão dos Orçamentos. Para nós, essa é uma questão bastante relevante. Eles conseguiram um ganho que é influenciar a legislação sobre a lei anti-corrupção. Conseguiram fazer com que o Estado publicasse também os contratos com as indústrias extractivas. Isto é um ganho bastante grande e nós em São Tomé e Príncipe teremos que trabalhar nesse sentido para que possamos também participar nas discussões dos orçamentos e na publicação de dados sobre recursos.
SCSTP: Que diferenças há, em termos de trabalhos de advocacia, entre a sociedade civil santomense e a moçambicana?
JR: Nestes termos, a sociedade civil moçambicana está muito mais organizada e muito mais avançada. Aliás, já tiveram momentos como o nosso, apostaram e hoje já fazem muito trabalho de advocacia junto do governo e das instituições internacionais. Com relação às organizações que lidam com crianças em Moçambique, conseguiram que publicassem muitas leis que protejam as crianças. Trabalham com o Ministério da Educação e Saúde, portanto, aplicam normas e têm vários ganhos neste sentido. Há também organizações que trabalham muito com senhoras, sobretudo na questão do cancro do útero e da mama. São organizações que influenciam muito outras organizações congéneres e parceiros internacionais, tanto que colaboram no sentido de fazerem os testes. Assim, a sociedade tem apoios na prevenção e no tratamento do cancro. O governo acata as contribuições dessas organizações. Os trabalhos dessas organizações são comunicados ao CIP de Moçambique e este depois faz a sua monitorização junto do Estado.
SCSTP: Na sua opinião, quais as mais valias deste tipo de iniciativas para o trabalho levado a cabo pela sociedade civil santomense?
JR: Essas trocas de experiência são muito importantes. Só que até ao momento, nós fizemos intercâmbios com dois países com economias muito distintas da nossa. Angola é um país com uma economia muito forte, com muitos recursos naturais e com um regime não muito idêntico ao nosso. Moçambique não é muito diferente. Nós, infelizmente, temos poucos recursos. O nosso Orçamento de Estado é quase 90% proveniente das ajudas externas. Em Angola e Moçambique essas ajudas são muito menos. Portanto, são realidades muito distintas, mas entretanto no caso de Moçambique há ganhos grandes em relação a isso. O Estado já publica os dados relativos às receitas provenientes da extracção dos recursos petrolíferos. O próximo intercâmbio talvez fosse feito para um país com menos recursos. Eu talvez propunha um país pobre como São Tomé e Príncipe que depende muito do exterior. Podíamos, talvez, fazer algumas comparações mais realistas. É sempre importante essas trocas de experiência, porque nós vamos ver como os outros estão a trabalhar, quais são as suas dificuldades e os ganhos. Este é um trabalho árduo, complicado e melindroso que vai mexer com as pessoas que não querem que sejam mexidas. São questões muito melindrosas que estão em jogo. Mesmo em Moçambique, os colegas chamaram-nos a atenção de que o trabalho da monitoria às contas públicas é um trabalho muito delicado e apelaram-nos para quando tivermos que fazer algum trabalho ou publicação, que fosse feita de uma forma mais evidente e clara possível, e que no documento não haja nada falsificado. Muitas vezes, as pessoas que estão a ser monitoradas, ao apanharem um pequeno erro da parte da organização, todo o trabalho pode cair por água abaixo.
SCSTP: Que desafios a Rede poderá enfrentar no trabalho de monitoria e advocacia em São Tomé e Príncipe?
JR: Em São Tomé, as coisas do Estado são, muitas vezes, mal aplicadas e orientadas. Há uma necessidade de todos nós dedicarmos a estas questões. Temos muitos casos. Ainda nos últimos dias, acompanhávamos na televisão um programa que revelava que muitas obras do Estado são muito mal realizadas e pondo em risco a vida das pessoas. Temos o caso do Mercado de Côcô-Côcô, por exemplo, que é uma obra recente e de uma certa envergadura mas muito mal finalizada. Se nós compararmos com o Mercado Municipal que foi construído na era colonial, com cerca de 40 anos, está em melhor estado em termos de estrutura física. E outras obras mais. Mesmo ao nível dos ministérios, vemos que há um desligamento na estrutura do Estado. Hoje vamos ver pouca gente a querer uma engenharia em agronomia ou pesca, porque os mais jovens estão a crescer e estão a ver que as áreas mais promissoras no país são áreas desses ministérios que têm muito mais facilidades. O estado deve ter em conta que o país só vai crescer se nós tivermos uma engenharia muito bem aplicada. Se formarmos muitos economistas e juristas não teremos espaços.
Nós [Rede] sabemos que vamos encontrar vamos constrangimentos. Aqui ninguém quer ser tocado. Mas é verdade que temos que influenciar o próprio Estado para que nos prestem informações. Muitas vezes, algumas pessoas podem achar que são trabalhos que lhes podem prejudicar, mas no âmbito geral da Nação, são trabalhos que vêm ser mais esclarecedores para o desenvolvimento da própria sociedade.

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